O convite para trabalhar no Wolves
“Há duas épocas, eu trabalhava no Rio ave com o mister Carlos Carvalhal e, no final da época, ele teve a possibilidade de ir para Braga. Nessa altura, o Bruno convidou-me para integrar a equipa técnica dele, tendo em conta que teríamos um projeto em mãos de uma outra equipa da Premier League. Isso depois não se concretizou, mas ficou logo o compromisso de trabalharmos juntos na próxima oportunidade.
“Ao longo do ano, foram surgindo algumas situações e a dada altura percebemos que o Wolverhampton poderia ser uma possibilidade. Na ponta final da época começámos a preparar aquilo que poderia vir a ser o nosso trabalho, a analisar algumas questões coletivas da equipa, a analisar os jogadores, mas ainda não era nada em concreto. Era só uma forte possibilidade. Entretanto, o Bruno foi convidado a vir cá para uma entrevista com o Jett e o Scott, e ficamos todos na expectativa sobre o que daí surgiria.
“Recordo-me que eu e o Alexandre [Alex Silva] estávamos a concluir o curso UEFA Pro, em estágio na Federação Portuguesa de Futebol, sempre à espera de saber como é que as coisas teriam corrido. Antes de falarmos com o Bruno, começaram a surgir algumas fotos na comunicação social e, após isso, percebemos que as coisas estavam bem encaminhadas. Até que ele ligou e disse que tinha corrido bem, que iria ser tomada uma decisão em breve… E o breve foi muito breve porque, no dia seguinte, já com ele em Portugal, a decisão foi tomada e ele informou-nos.
“Era uma coisa que queríamos muito, ter esta experiência. Este desafio, num clube bem cotado em Portugal, onde é fácil ouvir-se falar muito e bem do Wolves. Mas, ao chegarmos cá e ao percebermos como as coisas estão estruturadas ainda mais satisfeitos ficámos com aquilo que foi a nossa decisão e este passo que demos”.
O que conhecia do clube
“Conhecia alguma coisa, já que o Rui Silva [ex-treinador adjunto do Wolves] era nosso colega no curso de treinadores e, ao longo do ano, trocámos impressões. Uma das riquezas deste tipo de cursos, em que os treinadores estão no regime de internato, é a troca de experiências entre nós, não só nos momentos de formação, mas também pós-formação.
“Obviamente, havia a curiosidade de muita gente em perceber o contexto da Premier League e, depois, tudo aquilo que foi a envolvência do trabalho que a equipa técnica do Nuno [Espírito Santo] fez aqui, foi extraordinário, projetou o clube para esta dimensão. É natural as pessoas quererem perceber o que é que foi feito, como é…
“Fomos extremamente bem recebidos, desde o primeiro dia. Trabalhamos com um grupo de profissionais e de pessoas fantásticas que, claramente, estão aqui diariamente para dar o seu melhor em prol do clube, para o levar até outro tipo de patamares”.
O que já conhece da cidade
“É uma situação fácil de responder, mas também difícil de descrever. Porque eu não conheço a cidade. Nós praticamente não saímos do centro de estágio. Trabalhamos desde muito cedo até muito tarde. Depois temos é que descansar. Ao centro da cidade, acho que nunca fui, nós moramos todos aqui na periferia, mais perto do Compton. Pontualmente, vamos a um ou outro restaurante. Mas, é ir e voltar. E isso foi mais no início.
“A verdade é que, até por causa da pandemia, nós não podemos expor-nos a este tipo de situação. Temos que preservar aquilo que é a bolha do clube e os nossos objetivos. Tanto da nossa parte, como dos jogadores, tem havido um grande respeito pelo cumprimento de todas as regras. Até porque trabalhamos aqui diariamente, e dar um passo em falso é comprometer o rendimento do clube. Mas acredito que vou ter tempo de conhecer um pouco melhor”.
A adaptação ao estilo de vida
“Infelizmente, nos últimos anos, mesmo em Portugal a vida foi um bocadinho assim. Estamos muito focados naquilo que é o nosso trabalho. As pessoas não têm muita noção, mas quem trabalha a este nível acaba por ter muito pouco tempo livre para fazer outro tipo de coisas de que também gosta. Por vezes, para ver um filme em casa, sossegado, não é fácil.
“Ainda por cima, no meu caso, que tenho agora um menino com cinco meses, que praticamente nasceu aqui, todo o tempo que tenho livre é para estar em casa e para usufruir daquilo que é o crescimento dele e auxiliar em tudo o que é preciso. A adaptação, até por isso, acabou por ser um pouco facilitada, porque nós temos sido muito reservados naquilo que é a nossa vida social.
“Tanto eu como os meus colegas, passamos aqui grande parte do dia e depois, por norma, até janto em casa. Até nisso, o clube tem sido fantástico. Nós, felizmente, não temos que perder tempo com nada e isso ajuda-nos a estar muito mais focados e muito mais concentrados no nosso trabalho”.
A adaptação ao clima
“Tem sido o mais difícil. Neste momento estamos naquela fase em que já nevou. A única coisa que temos a certeza é que, quando perguntamos aos jogadores se isto vai melhorar, eles dizem-nos que não.
“É impossível nós habituarmo-nos a isto. É meter na cabeça que tem de ser assim e preparamo-nos para isso. Mas, de resto, tudo OK.
“Estamos num contexto em que sentimos que somos bem-vindos. Em que nos sentimos importantes e que as pessoas gostam de nos ter cá. E isso é o mais importante, sem dúvida nenhuma”.
A comida
“Nós costumamos dizer a brincar, mas estamos a falar a sério quando afirmamos que um dos melhores departamentos que o clube tem é, efetivamente, cozinha. O clube faz ali um grande investimento, com produtos e refeições de grande qualidade. Até aí se vê a sensibilidade das pessoas.
“Para ter uma noção, hoje comemos ao almoço uma sopa da pedra. Eles têm essa preocupação. Fazem muitas vezes pratos de bacalhau, para irem também ao encontro não só da equipa técnica, mas também de alguns jogadores portugueses. Há sempre uma grande variedade de pratos. Ao almoço temos ali sempre alguns cozinheiros a fazer pastas na hora… Isso aí nós não nos podemos queixar. Muito pelo contrário. É agradecer e saborear aquilo que eles fazem. Depois, o que eles também facultam, tanto a nós como aos jogadores, é a possibilidade de, num conjunto de opções, podermos escolher uma ou outra refeição para depois levarmos para casa.
“Uma coisa que também nos habituámos foi a jantarmos muito mais cedo. Em Portugal costumamos jantar entre as 20h30 e as 21h30. Aqui, a partir das 16h00, 16h30, já é completamente noite e, portanto, lá para as sete o pessoal já está a jantar. Muitas vezes nós até jantamos cá e depois vamos para casa. Outras vezes, levamos a comida e jantamos”.
O staff da cozinha do Wolves
“São todos ingleses. Alguns dos pratos podem ter sido desafios já do staff técnico anterior. Mas esta sopa da pedra, por exemplo, fomos nós que começamos a falar. A dizer-lhes que nós, em Portugal, também temos isto, isto e isto… Eles foram pesquisar e começaram, depois, a aperfeiçoar. Já é a segunda vez que o fazem. E com uma qualidade muito em cima da média”.
O desafio de trabalhar com o irmão
“Eu nunca tinha trabalhado com o Bruno, diretamente. Trabalhamos em simultâneo no Benfica, mas em equipas técnicas distintas. Eu estive no Benfica durante 14 anos, treinei todos os escalões, desde os sub-11 aos sub-19, mas nunca diretamente com ele. Houve um ano em que estivemos mais próximos, em termos profissionais, quando ele era treinador dos sub-15 e eu dos sub-14.
“Depois, tive a experiência de um ano com o Carlos Carvalhal e este é apenas o segundo ano em que estou a trabalhar nesta função de adjunto, porque tinha sido sempre treinador principal.
“Em termos profissionais não há diferença nenhuma naquilo que é trabalhar com o Bruno ou com outro treinador. Agora, obviamente, do ponto de vista emocional, por muito que eu queira ser o mais isento possível, não é fácil desligar também esse lado. Eu até sou uma pessoa que consegue separar bem as coisas. Mas, às vezes, no calor do jogo, não é fácil. Mas temos que tentar sempre fazê-lo.
“Uma das coisas que nós decidimos, e até fui eu que falei nisso, é que o Bruno é meu irmão da porta para fora. Aqui dentro é meu chefe, é o treinador da equipa e tudo aquilo que ele precisar da minha parte, para o poder ajudar nas suas funções e poder ajudar o clube a vencer jogos, é isso que tenho de fazer. Apoiar aquilo que são as suas decisões. Dar a minha opinião naquilo que acho que pode acrescentar. E saber ocupar o meu espaço, saber estar. Sempre com o máximo respeito, independentemente de ser meu irmão ou outro treinador qualquer. Acho que isso é o mais importante no futebol”.
Diferenças entre o irmão Bruno e o treinador Bruno
“O Bruno é uma pessoa transparente. Mesmo nas suas conferências, na sua forma de estar, fala aquilo que sente. Isto não só na sua vida profissional, como social. É uma das suas características.
“Conhecemo-nos muito bem, até porque nós vivemos juntos em casa dos nossos pais até muito tarde. Eu saí para estudar, mas ele continuou a viver lá, porque estudou na zona de Setúbal. Depois de terminar o curso, ainda voltei mais uns tempos para casa. E mesmo na altura em que trabalhámos no Benfica, nós vivíamos quase com uma parede apenas a dividir-nos. Essa foi uma das questões que consideramos que também foi fulcral naquilo que foi a nossa evolução.
“Imagine o que é ter a possibilidade de três treinadores a viverem juntos – porque o nosso pai também era – e depois dois treinadores jovens, ambiciosos, com muita vontade de crescer, de aprender, de triunfar, e estarmos ali paredes-meias. A partilha, a troca de exercícios e experiências, foi fantástica.
“Ele conseguiu sempre andar a uma velocidade diferente, porque desde muito cedo quis ser treinador de futebol e dedicou-se exclusivamente a essa atividade. Eu, nos meus primeiros 10 anos no Benfica, aliava o trabalho no futebol com o cargo de professor de educação física. Então, tinha muito menos tempo para crescer à mesma velocidade que ele. Ele foi muito forte, muito dedicado e muito organizado. E, de certa forma, tenho que lhe agradecer isso. Nós partilhávamos coisas, embora ele partilhasse mais porque produzia muito mais trabalho do que eu. Esse foi um fator decisivo naquilo que foi o crescimento exponencial das nossas capacidades”.
Funções na equipa técnica
“As minhas funções passam por ajudar o Bruno em todo o tipo de planificação. Seja ela a longo, médio ou a curto prazo. Sendo que, no futebol, as questões são cada vez mais olhadas do ponto de vista micro, semana a semana. Ou, às vezes, até dia a dia. Pensar muito mais à frente do que isso, neste momento, é muito pouco viável. Podemos ter um plano geral, mas depois as coisas têm que ser resolvidas no imediato, no dia a dia, na semana a semana.
“Além dessa planificação, ajudo também na planificação e orientação do treino, dos exercícios… Depois, também tenho uma forte colaboração em questões de background, designadamente naquilo que é a estratégia do próximo jogo. Principalmente nas questões que se referem mais à organização defensiva, face àquilo que são os problemas que os adversários nos vão colocar.
“Juntamente com o Carlos Cachada, faço também a ligação com os sub-23 e os sub-18, o que se refere às questões diárias”.
A Premier League obrigou a mudar metodologias?
“No que se refere ao trabalho não. Naquilo que é o trabalho efetivo de cada um dos elementos do staff, não há diferenças entre trabalhar na Premier League ou na I Liga portuguesa.
“Obviamente que estamos a trabalhar num nível altíssimo, mas independentemente do sítio onde nós trabalhámos, a exigência foi sempre máxima. A exigência que colocamos em nós e no nosso trabalho. Se assim não fosse, chegávamos a este nível e não estávamos preparados.
“Também não há diferenças naquilo que é a dinâmica semanal da preparação da equipa. O que temos, neste momento, são mais meios do que aqueles a que estávamos habituados. Temos mais gente no background que nos pode facultar outro tipo de informações.
“A grande diferença está na questão da competição. Nós olhamos para qualquer adversário e aqui, literalmente, podemos ganhar, perder ou empatar qualquer jogo. Sente-se isso. Qualquer equipa está recheada de jogadores internacionais, com enorme qualidade, um nível competitivo altíssimo, e a intensidade dos jogos é brutal. Sentimos é que, por vezes, é preciso ter algum cuidado com as questões ao nível da recuperação. Não é que não tivéssemos antes, mas aqui os jogadores são mesmo levados ao limite.
“Mas, falando pelo Bruno, quem treina uma equipa da dimensão do Benfica está preparado para treinar qualquer equipa do mundo. Chega aqui e consegue ter um nível de experiência e de aptidão em que, para ele, isto é o normal”.
O que distingue a Premier League
“A primeira é a questão do nível competitivo. E a segunda é a forma como o fenómeno é vivido aqui, no país. Aquilo que nós sentimos, no global, é que há um grande respeito pela modalidade, pelo futebol, pelos jogadores da própria equipa, pelo adversário, até mesmo pelo árbitro. Sentimos que é um ambiente onde toda a gente trabalha em prol do futebol. Por isso é que aqui o futebol é um produto tão rentável e desta magnitude.
“Relativamente à questão mais pessoal, do clube, o que sentimos é um apoio muito grande por parte dos adeptos. É fantástico o ambiente do estádio. É fenomenal. Está sempre cheio. Sempre a apoiar a equipa. Nós sentimos mesmo que o clube é o orgulho das pessoas daqui, da cidade. Não só no dia do jogo. À medida que ele se aproxima, começa-se a sentir a atmosfera.
“No dia do jogo é fantástico. Quando nos aproximamos dos estádios, começa-se logo a ver montes de gente na rua. Tudo a caminhar no mesmo sentido. Aí, temos que ser sinceros, é diferente. É vivido com a mesma intensidade, mas um respeito diferente por todas as pessoas e por todos os agentes que estão envolvidos. E acho que, além do futebol, sai toda a gente a ganhar com isso”.